8 de mar. de 2013

Motivação para a leitura ao longo da escolaridade


Motivação para a leitura ao longo da escolaridade (*)
Lourdes Mata (**)
Vera Monteiro (**)
Francisco Peixoto (**)
RESUMO
Este trabalho teve como principal objectivo a caracterização da motivação para a leitura em alunos dos diferentes ciclos da escolaridade obrigatória.
Participaram no estudo 1405 alunos do 3º ao 9º ano de escolaridade, que responderam a uma escala de motivação para a leitura, na qual eram contemplados cinco domínios motivacionais distintos: Prazer, Importância e Curiosidade, Razões Sociais, Reconhecimento Social e Autopercepção de Competência.
Os resultados evidenciaram um efeito significativo do ano de escolaridade que se traduziu em níveis motivacionais mais elevados, por parte dos alunos mais novos, em todos os domínios, com excepção da Autopercepção de Competência a qual sofre um acréscimo entre o 1º e o 2º Ciclo. Constatou-se, igualmente, a existência de um efeito devido ao género, traduzindo-se na existência de valores motivacionais mais elevados por parte das raparigas.
Palavras chave: Género, Leitura, Motivação, Motivação para a leitura.

ABSTRACT
This main goal of this research is to characterize reading motivation in students of the three compulsory basic cycles of education in Portugal.
Participants were 1405 Portuguese students of the 3rd grade to the 9th grade. They completed a reading motivation measuring scale. This instrument considers five reading motivational domains: Enjoyment, Importance/Curiosity, Social Reasons, Social Recognition and Self-perception of Competence.
Results show an inverse effect of grade level in reading motivation, with students of ealier grades being more motivated than students of later grades in almost all of the dimensions of the reading motivation scale, except for the Self-perception of Competence, where scores increased from the 1st to the 2nd cycle. Significant differences were also found between boys and girls in reading motivation, with girls expressing more positive motivational characteristics than boys.
Key words: Gender, Motivation, Reading, Reading motivation.


INTRODUÇÃO
Frequentemente se ouve falar da necessidade e da importância de, desde cedo, os alunos se envolverem em actividades de leitura. Este envolvimento, segundo vários autores é concebido como resultante da conjugação de processos motivacionais e a mobilização de estratégias cognitivas diferenciadas (Baker, Afflerbach, & Reinking, 1996; Wigfield, Guthrie, Perencevich, et al., 2008). Nesta perspectiva os leitores com elevado envolvimento são mais motivados e estratégicos enquanto que os menos envolvidos se mostram menos motivados e usam menos estratégias para acederem à compreensão do que lêem. Complementando esta ideia, Baker, Afflerbach, e Reinking (1996) consideram que os leitores envolvidos são “motivados, estratégicos, conhecedores e socialmente interactivos” (Baker, Afflerbach, & Reinking, 1996, p. xv). Concebido desta forma, o envolvimento com a leitura deve ser considerado como multidimensional envolvendo aspectos comportamentais, cognitivos, emocionais e também sociais (Baker, Afflerbach, & Reinking, 1996; Guthrie & Anderson, 1999; Guthrie & Knowels, 2001; Wigfield, Guthrie, Perencevich, et al., 2008). Neste sentido, o estudo e a compreensão dos processos motivacionais subjacentes à leitura, poderão dar um contributo importante para a compreensão do envolvimento com a leitura.
Motivação para a leitura
Wigfield, Guthrie, Tonks, e Perencevich (2004) consideram que, quando se pretende estudar a motivação tem que se considerar a especificidade de cada domínio (e.g., leitura, matemática, ciências). É evidente que, desde muito cedo, as crianças começam a diferenciar as suas percepções de competência, o seu interesse e motivação intrínseca em diferentes áreas. A investigação também tem evidenciado que, consoante os domínios, a motivação das crianças pode variar na sua intensidade “as crianças podem estar mais fortemente motivadas numa área específica (e.g., matemática) do que noutra (e.g., leitura) (Wigfield et al., 2004, p. 300). Para além disso, segundo os autores, existem certos domínios da motivação para a leitura que são específicos desta área, tais como os aspectos sociais associados à partilha de livros e de leituras com outros. Deste modo, para se estudar a motivação para a leitura, é necessário considerar a sua especificidade, para além dos contributos de diferentes quadros teóricos da motivação. Wigfield (1997), na caracterização da motivação para a leitura, refere que devem ser tidas em conta diferentes dimensões como: as autopercepções de leitor e sentimentos de eficácia que influenciam as expectativas de sucesso; os afectos associados à leitura, nomeadamente a satisfação e prazer, os quais, por sua vez, irão influenciar dimensões como o valor e interesse atribuídos à leitura. Complementando esta ideia, mais tarde, explora este tema apresentando 3 grandes eixos, que seriam centrais, no estudo da motivação para a leitura (Wigfield, 2000): (1) motivação intrínseca e extrínseca, (2) percepções de competência e de eficácia, e (3) motivação social. Segundo o autor, a análise de aspectos extrínsecos e intrínsecos permite uma melhor compreensão das razões subjacentes ao desenvolvimento de actividades de leitura, podendo estas estar relacionadas mais com o prazer e interesse resultante da leitura, ou com o receber alguma gratificação externa (e.g., notas, reconhecimento dos outros). As percepções de competência e eficácia referem-se às avaliações que os sujeitos fazem da sua capacidade para desenvolverem determinadas actividades, podendo estas facilitar ou inibir um maior envolvimento nas mesmas. Quanto à motivação social, o autor considera-a central no que se refere à leitura, pois a leitura é frequentemente uma actividade social em que a sua utilização com fins sociais pode envolver a partilha de ideias e leituras.
Esta visão multidimensional da motivação para a leitura tem vindo a ser partilhada por diferentes autores, embora por vezes se verifiquem algumas diferenças na sua operacionalização, resultando em caracterizações com uma maior ou menor diversidade nas facetas consideradas (e.g., Gambrell, Palmer, Codling, & Mazzoni, 1996; Scher & Baker, 1997; Wigfield, Guthrie, & McGough, 1996).
Segundo Wigfield (2000) o facto de se considerar a motivação como multifacetada implica que não se encararem as crianças como motivadas ou desmotivadas, mas sim como podendo estar motivadas por diferentes razões.
Para além disso, alguns aspectos da motivação poderão ser mais benéficos para a aprendizagem do que outros. Sendo assim, as crianças que estão intrinsecamente motivadas, que têm concepções de competência positivas e gostam de partilhar com os outros as suas actividades de leitura, tornar-se-ão provavelmente leitores mais envolvidos.
Desenvolvimento da motivação para a leitura
O conhecimento das características motivacionais ao longo da escolaridade poderá levar a uma melhor compreensão das particularidades inerentes à motivação para a leitura e consequentemente a uma intervenção mais apropriada para a sua promoção.
A investigação sobre o desenvolvimento da motivação para a aprendizagem em geral e para áreas específicas do saber, tem mostrado que, de um modo geral, há uma tendência para que aspectos ligados às percepções de competência e motivação intrínseca sofram um decréscimo enquanto a motivação extrínseca parece aumentar ao longo da escolaridade (Eccles, O’Neill, & Wigfield, 2005; Harter, Whitesell, & Kowalksi, 1992; Lepper, Corpus, & Iyengar, 2005).
Esta tendência, para um decréscimo dos indicadores motivacionais, também tem sido verificada quando se estuda a motivação para a leitura. À medida que as crianças progridem na sua escolaridade parece que, em vários aspectos, as suas motivações para a leitura tendem a diminuir (Baker & Wigfield, 1999; Gambrell, Palmer, Codling, & Mazzoni, 1996; Monteiro & Mata, 2001; Wigfield & Guthrie, 1997). Wigfield e Guthrie (1997) verificaram este decréscimo quando compararam alunos do 4º e 5º anos em dimensões como a Percepção de Eficácia, Reconhecimento Social e Razões Sociais. Resultados semelhantes foram encontrados por Baker e Wigfield (1999) ao compararem as características motivacionais de alunos do 5º e 6º anos de escolaridade, onde uma descida dos valores motivacionais foi evidente tanto para a dimensão Reconhecimento Social, como para as Razões Sociais. Também estudando estas faixas etárias, mas procurando caracterizar as motivações para a leitura de alunos do 3º e do 5º anos de escolaridade, Gambrell, Palmer, Codling e Mazzoni (1996) verificaram igualmente que os alunos mais novos apresentaram níveis de motivação mais elevados na dimensão Valor atribuído à leitura.
No que se refere à realidade Portuguesa, Monteiro e Mata (2001) ao traçarem os perfis motivacionais para a leitura de alunos do 1º ciclo de escolaridade (1º ao 4º ano) obtiveram resultados não totalmente consonantes com os das investigações anteriores. Assim, enquanto nas dimensões Prazer associado à leitura e Reconhecimento Social se replicaram os resultados dos referidos estudos, diminuindo ao longo da escolaridade, na dimensão Auto-conceito de Leitor verificou-se uma tendência inversa, com os alunos mais velhos a apresentarem autopercepções mais elevadas. Este aumento no Autoconceito de Leitor pode ser explicado pelo facto de, neste estudo, se terem incluído alunos muito contrastados em termos das suas competências em leitura. Entre os participantes nesta investigação estavam alunos no início da aprendizagem formal da leitura e, em termos de performance em leitura existe uma diferença real e evidente entre os alunos do 1º ano, que estão numa fase muito inicial da aprendizagem da leitura e os alunos do 3º ou 4º ano, que já dominam razoavelmente esta competência e são na maior parte dos casos, leitores fluentes.
Apesar de na maior parte dos estudos apresentados serem referidos dados relativos a anos de escolaridade bastante próximos, parece existir bastante concordância entre os seus resultados. De um modo geral quando são encontradas diferenças nas motivações para a leitura, entre os anos de escolaridade, estas vão no sentido de serem os alunos mais novos a evidenciarem valores motivacionais mais elevados.
Motivação para a leitura e género
O género tem-se mostrado como uma variável a considerar quando se procura compreender e caracterizar a motivação para a leitura. Os resultados das investigações nesta área têm evidenciado algumas diferenças consoante o género.
Ao estudarem o efeito do género em alunos do 4º e 5º anos de escolaridade, Wigfield e Guthrie (1997) encontraram diferenças nos perfis motivacionais em função do género, nos domínios Eficácia, Importância, Razões Sociais e Competição com as raparigas a apresentarem níveis mais elevados nos três primeiros e os rapazes a superiorizarem-se na dimensão Competição. Também Baker e Wigfield (1999), na investigação que desenvolveram com alunos do 5º e 6º anos, realçam um efeito do género em nove dimensões da motivação para a leitura (Auto-eficácia, Desafio, Curiosidade, Envolvimento, Importância, Reconhecimento, Notas, Razões Sociais e Complacência), apresentando-se sempre as raparigas mais motivadas do que os rapazes, quer se tratassem de motivos mais extrínsecos, intrínsecos ou com um carácter mais social. Para crianças no início de escolaridade, Mazzoni, Gambrell, e Korkeamaki (1999) verificaram igualmente este efeito do género. De realçar que os resultados de algumas investigações desenvolvidas sobre as atitudes face à leitura são consistentes com os anteriormente apresentados, verificando-se uma tendência para as raparigas desenvolverem atitudes mais positivas do que os rapazes (McKenna, 2001).
Em Portugal, Monteiro e Mata (2001) no seu estudo com crianças do 1º ao 4º ano de escolaridade obtiveram resultados semelhantes. O efeito do género mostrou-se significativo tanto para o Autoconceito de Leitor como para o Reconhecimento Social, apresentando as raparigas, valores mais elevados.
OBJECTIVOS
Com base na revisão da literatura efectuada, com este trabalho procuraremos aprofundar o estudo da motivação para a leitura. A maior parte dos resultados apresentados referem-se a anos de escolaridade muito próximos e a alunos em fases iniciais de aprendizagem (Baker & Wigfield, 1999; Mazzoni, Gambrell, & Korkeamaki, 1999; Monteiro & Mata, 2001; Wigfield & Guthrie, 1997). Por outro lado, não sabemos se as características motivacionais encontradas noutras realidades culturais se confirmam para os estudantes Portugueses. Os dados relativos ao 1º ciclo parecem apontar nesse sentido (Monteiro & Mata, 2001) mas é necessário um maior aprofundamento no estudo desta temática, nomeadamente com outros anos de escolaridade
Teremos assim como principal objectivo, caracterizar a motivação para a leitura de alunos do 3º ao 9º ano de escolaridade, procurando analisá-la em função da etapa de escolaridade e do género.
MÉTODO
Participantes
Participaram neste estudo 1405 estudantes dos três ciclos de escolaridade, que frequentavam escolas na região de Lisboa. Os alunos do 1º ciclo que integraram a nossa investigação frequentavam o 3º e o 4º anos de escolaridade pois o questionário utilizado não se adequava a crianças mais novas devido à sua dimensão e ao modo de administração.
Pela análise dos dados da Tabela 1 podemos verificar que os participantes deste estudo se distribuem de forma equilibrada tanto pelos três ciclos de escolaridade como consoante o género.

TABELA 1
Distribuição dos participantes por género e ciclo de escolaridade

Instrumento e procedimentos
No presente estudo foi utilizada uma escala construída a partir de duas versões anteriores, uma destinada a alunos do 1º ao 4º ano de escolaridade, que contemplava somente 3 dimensões e outra para alunos do 5º ao 9º ano com seis dimensões (Monteiro & Mata, 2001, 2002). A presente versão ficou constituída por 34 itens distribuídos por cinco dimensões distintas: Importância e Curiosidade – oito itens que caracterizam a importância atribuída à leitura e a curiosidade para ler sobre novos assuntos (e.g., “Ler é importante porque aprendo coisas novas”); Reconhecimento Social – sete itens que se referem à importância e gratificação sentidas quando os outros (pais, professor e colegas) reconhecem os seus resultados e performance em leitura (e.g., “Gosto que os meus pais reconheçam os meus esforços para ler”); Razões Sociais – seis itens que reenviam para a partilha de livros e de ideias sobre os livros (e.g., “Converso com os meus amigos sobre o que leio”); Prazer – oito itens que caracterizam a satisfação e prazer retirados dos momentos de leitura (e.g., “Quando leio fico distraído e não dou pelo tempo passar”); Autopercepção de Competência – sete itens que procuram identificar a confiança e as dificuldades sentidas enquanto leitor (e.g., “Quando estou a ler tenho que voltar atrás várias vezes, para compreender o que li”).
Cada item é apresentado sob a forma de uma afirmação sobre a qual os alunos têm que analisar o seu grau de identificação. As respostas são dadas numa escala tipo Likert de quatro pontos, podendo estas variar entre “Muito diferente de mim”, “Diferente de mim”, Parecido comigo” ou então “Muito parecido comigo”. A cotação é feita de 1 a 4 pontos de modo a que 4 pontos reenviem sempre uma motivação mais elevada no domínio considerado. No final são calculadas as médias das pontuações dos itens de cada dimensão, obtendo-se assim cinco valores diferentes para traçar os perfis motivacionais.
Uma análise factorial exploratória, usando a extracção de componentes principais, seguida de uma rotação Varimax, permitiu analisar o padrão factorial da escala. Este mostrou-se bem definido, distribuindo-se os itens pelas cinco dimensões de acordo com a sua concepção. Resultou, então, uma solução factorial com cinco factores, onde o grau de saturação de cada item com o respectivo factor se mostrou adequado, sendo a média de saturação para todos os itens de .65 e a percentagem de variância explicada de 55,5%.
No presente estudo a consistência interna das diferentes dimensões, avaliada através do Alfa de Cronbach, revelou-se adequada. O valor mais baixo foi obtido na dimensão Autopercepção de Competência (.69) o qual está muito próximo do limiar da aceitabilidade (.70) (Nunnaly, 1978). Nas restantes dimensões o valor do Alfa de Cronbach variou entre .84 e .89.
A escala foi administrada colectivamente, mas com os alunos mais novos, sempre que se verificou essa necessidade, os itens foram lidos em voz alta. Os alunos foram informados de que não existiam respostas certas nem erradas e que o que interessava era a sua opinião. Após a administração dos itens exemplo, e a certeza de que todos tinham compreendido passou-se à aplicação dos restantes itens.
RESULTADOS
Estabelecemos como objectivo deste estudo a caracterização da motivação para a leitura do 3º ao 9º ano de escolaridade, procurando analisá-la em função da etapa de escolaridade e do género. Para esse efeito, realizámos uma análise de variância multivariada considerando como variáveis independentes o ciclo de escolaridade e o género e como variáveis dependentes as diferentes dimensões da motivação para a leitura. Os resultados desta análise evidenciaram a existência de efeitos principais do género [Pillai’s Trace=0.011, F(5,1395)=3.14 p=0.008, η2=.01] e do ano de escolaridade [Pillai’s Trace=0.281, F(10,2792)=45.60, p<0.001, η2=.14], não se verificando efeitos de interacção [Pillai’s Trace=0.01, F(10,2792)=1.37, p=0.186, η2=.005].
Os resultados das análises univariadas, no que se refere aos efeitos do ano de escolaridade, permitiram constatar que estes ocorrem em todas as dimensões da motivação – Prazer [F(2,1399)= 132.2 p<0.001, η2=.16], Importância/Curiosidade [F(2,1399)=130.1 p<0.001, η2=.16], Reconhecimento Social (F(2,1399)=192.6 p<0.001, η2=.22]; Razões Sociais [F(2,1399)=107,8 p<0.001, η2=.13] e Autopercepção de Competência [F(2,1399)=24,687p<0.001, η2=.03)]. A análise da Figura 1 permitenos constatar que à excepção da dimensão da Autopercepção de Competência, os valores de motivação para a leitura vão baixando à medida que o ano de escolaridade aumenta. Uma análise post-hoc utilizando o teste de Tukey permite evidenciar que estas diferenças são significativas entre todos os ciclos de ensino, exceptuando para a dimensão Autopercepção de Competência. Neste caso, os alunos do 1º Ciclo apresentam valores significativamente mais baixos que os dos 2º e 3º Ciclos, não se verificando diferenças entre os alunos destes dois ciclos de estudos.

Média das diferentes dimensões da motivação para a leitura, por ciclo de escolaridade

A análise da Figura 1 permite-nos ainda constatar que os valores mais elevados se encontram nas dimensões Importância/ /Curiosidade, Reconhecimento Social e Prazer, para todos os ciclos de escolaridade. Na dimensão Autopercepção de Competência encontramos os valores mais baixos, situando-se estes abaixo do valor médio da escala (2,5). Assim, os nossos alunos atribuem importância às actividades de leitura, gostam de ver os seus progressos reconhecidos pelos outros significativos mas não se consideram bons leitores.
No que se refere ao género, os resultados da análise de variância demonstraram a existência de diferenças significativas em todas as dimensões com excepção da Autopercepção de Competência [Prazer [F(1,1399)=11,834 p=0.001, η2=.008], Importância/Curiosidade [F(1,1399)=7,602 p=0.006, η2=.005], Razões Sociais [F(1,1399)=10,411 p=0.001, η2=.007] e Reconhecimento Social [F(1,1399)=5,539 p=0.019, η2=.004)]. Em todas as dimensões nas quais se verificou a existência de diferenças significativas as raparigas apresentaram valores mais elevados que os rapazes (Figura 2).

FIGURA 2
Média das diferentes dimensões da motivação para a leitura, por ciclo de escolaridade

A análise do eta quadrado parcial permite evidenciar que os efeitos do ciclo de escolaridade são mais fortes que os do género (.14 vs. .01) e afectam predominantemente a dimensão Reconhecimento Social, a qual apresenta um forte declínio com o avançar da escolaridade.
DISCUSSÃO
Este estudo teve como propósitos caracterizar os perfis motivacionais para a leitura de crianças do 3º ao 9º ano de escolaridade, em função do ano de escolaridade e do género.
Os resultados aqui apresentados revelam um efeito do ano de escolaridade na motivação para a leitura, em particular nas dimensões do Prazer, Importância e Curiosidade (dimensões associadas à motivação intrínseca), no Reconhecimento Social (motivação extrínseca) e na Autopercepção de Competência. Para estas dimensões, com excepção da Autopercepção de Competência, os valores motivacionais decresceram com o aumento do ano de escolaridade.
É por todos sabido que as crianças quando entram para a escola sentem uma vontade muito grande em aprender e revelam muita curiosidade em relação às actividades escolares em geral e, para a leitura, em particular. Em estudos anteriores, autores como Eccles, O’Neill, e Wigfield (2005), Harter et al. (1992) e Lepper et al. (2005) tinham constatado que a motivação intrínseca para a aprendizagem decrescia ao longo da escolaridade. No campo da motivação para a leitura estes dados foram confirmados por Baker e Wigfield (1999), Gambrell et al. (1996), Monteiro e Mata (2001) e Wigfield e Guthrie (1997).
Esta tendência para uma descida global dos valores motivacionais tem sido frequentemente explicada tendo em conta dois aspectos: as características de desenvolvimento das crianças e a diversificação de áreas de interesse e de competência. No que se refere às características de desenvolvimento, as crianças mais novas têm capacidades mais limitadas para perceber as situações e para se compararem com os outros (Harter, 1990, 1999; Wigfield, 2000). Este facto conduz, muitas vezes a avaliações das situações e opiniões muito mais positivas, por serem menos rigorosas e objectivas. Por outro lado, a diversificação de áreas de interesse, à medida que vão crescendo e contactando com novas actividades e matérias pode levar a que uns alunos se dediquem mais a um tipo de actividade e outros a outro, provocando um decréscimo em alguns aspectos das suas motivações. Neste sentido, a simples análise da subida e descida dos níveis motivacionais parece insuficiente para uma compreensão clara dos processos motivacionais. Desta forma, é necessário compreender se esses valores se mantêm ainda em níveis positivos, ou se a sua descida é tão acentuada que se possa efectivamente tornar um problema, por inibir o envolvimento dos sujeitos nas actividades. A análise dos dados da Figura 1 permite-nos observar alguns indicadores preocupantes. A descida é tal forma acentuada que, para os alunos do 3º ciclo, não há qualquer indicador motivacional francamente positivo, pois nenhum apresenta valores iguais ou superiores a 3. De realçar que o Prazer se apresenta no ponto médio, enquanto que nas Razões Sociais para a leitura e Autopercepção de Competência os níveis motivacionais são bastante baixos.
Esta descida dos valores motivacionais para a leitura, nomeadamente nos indicadores que aparecem associados à motivação intrínseca (e.g., Prazer, Importância e Curiosidade) pode também ser explicada pelas práticas pedagógicas utilizadas pelos professores nas actividades de leitura. Quando as práticas de avaliação pedagógica dos professores se regem por interpretações normativas, em que comparam os alunos uns com os outros, em que estimulam a competição, podem levar a que estes dêem mais importância às notas e à comparação social, conduzindo a um decréscimo progressivo da motivação intrínseca pela leitura (Baker, Dreher, & Guthrie, 2000; Wigfield, 2000). Por outro lado, a utilização de práticas de ensino muito tradicionais, assentes quase exclusivamente na utilização do manual, de fichas e composições, tal como refere Sim-Sim (2001), pode ter um impacto negativo tanto ao nível das aquisições como do envolvimento das crianças em situações de leitura De resto, esta ideia tem sido profundamente explorada nos últimos anos por uma equipa de investigadores da Universidade de Maryland, que desenvolveram e implementaram um programa de trabalho sobre a leitura denominado CORI (Concept-Oriented Reading Instruction) (Guthrie, McRae, & Klauda, 2007; Wigfield, Guthrie, & Von Secker, 2000; Wigfield, Guthrie, Perencevich, et al., 2008). Este programa procura integrar o ensino das ciências e da leitura, usando materiais, actividades e práticas diversificadas, estratégias de leitura variadas, e valorizando a leitura partilhada. Os resultados de diversas investigações sobre os efeitos deste programa evidenciam diferenças, não apenas no desempenho em leitura, mas também ao nível das motivações (e.g., curiosidade, envolvimento, desafio), concluindo pela existência de um efeito positivo, com uma magnitude moderada a forte (Guthrie, McKae, & Klauda, 2007). Assim, mostra-se que as práticas de abordagem à leitura e à escrita, podem ser determinantes no tipo e nível de motivação, factor este que poderá justificar o decréscimo verificado ao longo dos três ciclos de escolaridade, nos indicadores motivacionais dos alunos participantes neste nosso estudo.
No que se refere à motivação extrínseca, a literatura normalmente refere um aumento ao longo da escolaridade, no que respeita a aprendizagem em geral (Eccles, O’Neill, & Wigfield, 2005; Harter, Whitesell, & Kowalksi, 1992). Contudo, os dados da investigação sobre motivação para a leitura, não têm mostrado indícios deste aumento da motivação extrínseca. Usualmente os indicadores de motivação extrínseca utilizados, no estudo da motivação para a leitura, são os incentivos, quer em termos de Notas quer em termos de Reconhecimento Social (Baker & Wigfield, 1999; Gambrell, Palmer, Codling, & Mezzoni, 1996; Monteiro & Mata, 2001; Wigfield & Guthrie, 1997; Wigfield, Guthrie, & McGough, 1996). O que se tem verificado é que em relação às Notas não há qualquer efeito significativo do ano de escolaridade, mas no que se refere ao Reconhecimento Social, este normalmente decresce. Esta descida do Reconhecimento Social faz sentido se pensarmos que à medida que a criança vai conseguindo fazer avaliações do seu desempenho de forma mais autónoma necessita cada vez menos dos reforços extrínsecos que os outros significativos (pais, colegas e professores) possam fazer relativamente à suaperformance em leitura. Na presente investigação estes valores são bastante positivos durante o 1º ciclo e ainda durante o 2º ciclo, notando-se um decréscimo bastante acentuado no que se refere ao 3º ciclo. Nestes alunos mais velhos, é muito menor a sua necessidade de confirmação de competência, ou reconhecimento do seu esforço por parte dos outros que lhes são próximos, daí o Reconhecimento Social já não ser um motivo essencial para se dedicarem à leitura.
Quanto às Razões Sociais o que se verifica é que estas, em etapa nenhuma da escolaridade, surgiram como razões importantes para o envolvimento com a leitura. Para além disso, essa importância vai decaindo significativamente ao longo da escolaridade. A explicação que apresentámos anteriormente no que se refere à influência das práticas pedagógicas de abordagem à leitura no decréscimo da motivação intrínseca pode novamente ser mobilizada. Uma vez que as práticas tradicionais não promovem, usualmente, nem a partilha nem a cooperação entre os alunos, isso também não é transposto para as suas características motivacionais nem para as utilizações da leitra.
Os resultados apresentados permitiram também evidenciar que os efeitos do ciclo de escolaridade eram mais fortes que os do género. De qualquer modo, apesar de o ano de escolaridade introduzir alterações mais significativas nas características motivacionais, parece-nos importante também reflectir sobre algumas alterações encontradas em função do género. Os estudos têm demonstrado que as raparigas são, em muitos aspectos mais motivadas para a leitura do que os rapazes (Baker & Wigfield, 1999; Monteiro & Mata, 2001; Wigfield & Guthrie, 1997) desenvolvendo, também, atitudes mais positivas face à leitura (McKenna, 2001; McKenna, Kear, & Ellsworth, 1995). Também alguma investigação incidindo sobre os hábitos e gosto pela leitura evidencia diferenças atribuíveis ao género, que se revelam desde o início da escolaridade (Lages, Liz, António, & Correia, 2007; Santos, Neves, Lima, & Carvalho, 2007). No nosso estudo verificou-se, igualmente, que as raparigas apresentavam valores mais elevados de motivação para a leitura do que os rapazes nas dimensões: Prazer, Importância/Curiosidade, Reconhecimento Social e Razões Sociais. Neste sentido apontam também resultados do Pisa 2000 (Ramalho, 2001) e do PISA 2003 (Ramalho, 2004) que vieram demonstrar que as raparigas portuguesas revelaram melhores desempenhos em leitura do que os rapazes. Estes resultados podem ser explicados pelo desenvolvimento de expectativas sociais mais positivas, criadas a partir de categorizações feitas em relação ao desempenho de rapazes e raparigas em leitura (Baker & Wigfield, 1999; McKenna et al., 1995). As expectativas em relação ao desempenho nas actividades de leitura, levam a que os professores estimulem, encorajem e tenham um tratamento diferenciado para com os seus alunos, consoante o género, dando mais atenção, interagindo mais e colocando questões sobre a leitura mais frequentemente e com maior complexidade para as raparigas (Good, 1987; MyHill & Jones, 2006; Rubie-Davies, 2006). Este tratamento diferenciado pode levar a que os alunos se envolvam com a leitura de forma distinta e, consequentemente, pode conduzir a níveis de motivação para a leitura desiguais. Estas diferenças devem ser levadas em consideração em contexto de sala de aula pelos professores, em particular quando querem envolver os seus alunos e motivá-los para a leitura.
Este estudo, permitiu-nos conhecer melhor as características motivacionais dos alunos ao longo da escolaridade e, deste modo, retirar algumas pistas para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que possam promover aspectos específicos da motivação e, assim conduzir a um maior envolvimento com a leitura. Fica evidenciada a necessidade de se mobilizarem, nas nossas escolas, estratégias que promovam o prazer e o gosto pela leitura, uma vez que os alunos chegam ao 3º ciclo retirando pouca satisfação dos momentos de leitura. Certamente que o Plano Nacional de Leitura (Alçada, Calçada, Martins, et al., 2006), com as estratégias e actividades em implementação, poderá introduzir algumas mudanças neste panorama, contribuindo para alterações na forma de envolvimento com a leitura, através de acções direccionadas para as crianças, as famílias e a escola. Poderá também contribuir para uma diversificação e adequação das práticas pedagógicas, o que é essencial, tal como se verificou nos estudos com o programa CORI (Guthrie, McRae, & Klauda, 2007; Guthrie, Wigfield, & Von Secker, 2000; Wigfield, Guthrie, Perencevich, et al., 2008).
Por outro lado, embora a leitura seja uma prática que deveria ter uma componente social muito enraizada, devido à sua própria natureza (Wigfield, 2000), isso não transparece nos perfis motivacionais destes alunos. As Razões Sociais associadas à leitura, como a partilha, as trocas os confrontos de opiniões, não são motivos importantes para estes alunos lerem. Mais preocupante é ainda a situação quando constatamos que as motivações associadas às Razões Sociais decrescem significativamente com a escolaridade, assumindo valores muito baixos entre os alunos do 3º ciclo. Uma mudança nas abordagens à leitura, na escola e em casa, poderá contribuir para alterações significativas de atitudes e hábitos de leitura e torná-la uma prática mais rica e partilhada socialmente.

REFERÊNCIAS
Alçada, I., Calçada, T., Martins, J., Madureira, A., & Lorena, A. (2006). Plano nacional de leitura – Relatório síntese. Disponível em http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/pnltv/uploads/relatoriosintese.pdf
Baker, L., & Wigfield, A. (1999). Dimensions of children’s motivation for reading and their relations to reading activity and reading achievement. Reading Research Quarterly34, 452-477.
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(*)Esta investigação contou com o apoio da F.C.T. (POCI 2010).
(**) UIPCDE – Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.
 

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